Para os rios da minha aldeia

Por Petrônio Souza

Minas são seus rios. Se não fossem os rios, Minas não existiria. Sem o Ribeirão do Carmo, não haveria Mariana, a vila não seria rica e o Itacolomi seria apenas um fantasma desolado erguido sobre o silêncio, o tempo e a eternidade. Diamantina não seria nem Tejuco. O Serro do Frio apenas um entreposto rumo à Bahia e o sertão dos índios bravios. Não haveria Chica da Silva, nem Tiradentes. Sem seus rios, Minas seria o Sertão dos Cataguases, sem ouro, sem história, sem bandeirantes, sem nada. Os rios são a inconfidência mineira no mapa do tempo, tendo todo o ouro como testemunha.

Antes dos rios, a lagoa das esmeraldas fez o primeiro levante paulista sertão adentro, tendo como guia o paulista sexagenário e sua bandeira primeira, dando com os costados na região central do Estado. A lagoa ele encontrou, as esmeradas não. Borba Gato achou a montanha do Sabarabussu e o ouro existente entre ela e as águas do rio das Velhas. Minas não nasceu nas montanhas, mas nos rios, no fundo dos rios.

Sempre generosos, navegantes portugueses abasteciam seus navios com as águas doce do rio a mais de 20 quilômetros de distância do litoral do Espírito Santo, com a tripulação colhendo água potável no meio do mar, tamanha a pujança e força do rio que não existe mais. Serpenteando, as cidades mineiras seguiram o leito dos rios, servido dele enquanto o matavam, aos poucos. As casas eram e são construídas de costas para eles, negando a beleza do rio, destinando a eles a indiferença, o esquecimento e o lixo diário. As crianças sabem o valor do rio, mergulham na alma deles. Adultos, passam a ignorar o bem que um dia foi deles. 

Todos os dias depositamos nos rios do Brasil a nossa parcela diária de culpa, exatamente do tamanho de nossas possibilidades. Confinados, muitas vezes tem seu curso alterado, refletindo diretamente no ciclo de vida de seus peixes, aqueles que fazem a vida do rio. O que as mineradoras fazem com os rios é o mesmo que nós, cidadãos brasileiros, fazemos diariamente. 

Nos arredores dos grandes centros, os pomposos condomínios fechados são construídos, em sua grande maioria - com a plena autorização dos órgãos competentes -, em áreas de nascentes, aquelas que deveriam abastecer com água saudável e potável as grandes cidades. Tudo feito de forma quase sempre legal. 

Como se não bastasse o crime contra o rio Doce, tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais o Projeto de Lei nº 3614/12, que legaliza a exploração dos poucos rios que são protegidos por Lei, considerados como preservação permanente, por serem fontes de vida, beleza e de lazer para a população. Os rios de preservação permanente, protegidos pela Lei nº 15.082/2004, são aqueles com excepcional beleza com claro valor ecológico, histórico ou turístico, fonte da vida silvestre em áreas preservadas ou com poucas alterações. E é exatamente com isso, a excepcional beleza, o valor ecológico, a vida em sua forma mais pura, que esse Projeto de Lei quer acabar, se utilizando da frágil justificativa de "interesses públicos" e a "necessidade de desenvolvimento do Estado". 

Os rios são poucos, mas as “samarcos” são muitas: infelizmente!
*Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor

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