Taiobeiras e a liberdade que se alcança aos 60

Por Levon do Nascimento
Outro dia conversávamos na escola durante o recreio sobre o aniversário próximo dos 60 anos de emancipação de Taiobeiras, quando um colega professor saiu-se com esta: “60 anos?! então já pode requerer os direitos da Lei dos Sexagenários!” Rimos bastante. Fui pesquisar e encontrei que a Lei Imperial nº 3.270, de 28 de setembro de 1885, também conhecida como Lei Saraiva-Cotegipe ou simplesmente Lei dos Sexagenários, dava o direito à liberdade não aos escravos negros que completavam 60 anos, mas aos 65. Uma lei estúpida, pois era raro o negro que chegava vivo a esta idade, devido aos maus-tratos e ao trabalho insalubre. E aos sobreviventes, qual outra opção senão continuar “livre” na dependência do senhor? Para onde iria e o que fazer para sobreviver um ancião de pele escura e sem qualquer outro direito? No entanto, é de liberdade que quero tratar. Liberdade para uma sexagenária senhora, minha cidade de Taiobeiras.

De certa forma, o colega tinha razão! O município de Taiobeiras bem que poderia fazer uso dos direitos simbólicos que emanam da Lei dos Sexagenários e libertar-se de uma série de jugos atravancadores do desenvolvimento de sua sociedade civil e dos seus órgãos públicos constituídos. Talvez, os cidadãos de hoje pudessem fazer valer, com maior ênfase, o gesto de alguns conterrâneos do passado. Conta a história informal que, ao saber da assinatura da lei emancipatória, em 12 de dezembro de 1953, alguns taiobeirenses mais afoitos trataram logo de retirar a placa que dava nome à principal via da recém-cidade. Conhecida por todos como “Rua Larga”, oficialmente chamava-se “Idalino Ribeiro”, homenagem por imposição ao chefe político salinense que de tudo fazia para impedir a concretização do processo de emancipação. Aquele gesto, de banir a placa, mais que vandalismo, constitui-se simbolicamente numa atitude ousada de declaração de liberdade. Não por coincidência, os mesmos ativistas instantaneamente escreveram no mesmo local os dizeres “Avenida da Liberdade”, rebatizando o logradouro com o ideal que ainda se deseja alcançar nos dias atuais.

Fazer valer o pequeno e utópico gesto fundante daqueles idealistas, movidos por contagiante rivalidade bairrista, significa hoje ir muito além do que personificar inimigos como fizeram com o velho Idalino ou com Salinas. Com efeito, a liberdade de hoje deve ser conquistada na capacidade criativa dos taiobeirenses e na competência para resolver os problemas. As algemas que impedem o desenvolvimento humano e social devem ser rompidas. Para Taiobeiras dar um novo brado de liberdade, agora aos 60 anos, é necessário reconhecer as deficiências, praticar a autocrítica, banir os vícios patrimonialistas, romper as segregações já intrínsecas na cultura, avançar na construção de uma nova sociedade e derrubar as “novas placas” onde se inscrevem as injustiças sociais.

Para ser realmente livre aos 60 anos, Taiobeiras tem de: cuidar de sua gente, especialmente dos pobres; enfrentar e vencer a escandalosa violência que ceifa vidas, inclusive dos jovens; avançar na educação cidadã e permanente, estendendo as oportunidades de conteúdo a todos; melhorar a qualidade dos agentes e das instituições políticas municipais, aprimorando a democracia e destruindo os vícios coronelistas e clientelistas do autoritarismo e da compra/venda do voto; transformar as relações sociais, abandonando a cultura do consumismo e do exibicionismo vazios, trocando-a por uma nova era onde valham mais as pessoas e o seu conteúdo interior, do que a aparência e os bens que eventualmente possuam.

Cuidar, enfrentar, vencer, avançar, melhorar e transformar: verbos que precisam sair do papel da teoria e materializarem-se na práxis de Taiobeiras. Só assim, a partir dos 60, a cidade encontrará a liberdade. A liberdade que só se encontra numa nova cultura de paz a ser construída. Parabéns, Taiobeiras, pelos 60 anos de emancipação!

* Levon Nascimento é sociólogo e professor de história.

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